Deir el Medina é o nome da vila onde viveram os trabalhadores que construíram e decoraram as tumbas dos faraós, dos seus familiares e da nobreza, em um período brilhante do Egito Antigo: o novo reino.
Tutmés I, o terceiro faraó da XVIII dinastia, foi provavelmente o fundador dessa povoação, criada em cerca de 1540 a.c., para abrigar os trabalhadores das necrópoles tebanas e suas famílias. A escolha do local para a tumba desse faraó determinou o lugar para a habitação dos artesãos de alto nível que iriam construí-la.
Deir el Medina durou cerca de 450 anos, o que abarca o período da XIX e da XX dinastia. Do período de Ramsés III, no início da XX dinastia, cerca de 1198 a.C., resta-nos um censo, o qual revelou a presença de 120 lares e de mais ou menos 1200 habitantes na vila.
Poucos sítios arqueológicos do Egito faraônico permitem uma evocação visual tão clara, na atualidade, e legaram registros tão minuciosos da vida desses grupos humanos, quando a vila de Deir el Medina. Os artesãos ligados à tumba recebiam o título de sm-rs m st mert literalmente “servidores na Sede da Verdade”. A expressão indica, segundo Cerny, que os dedicados à tumba dependiam do faraó e faz supor um núcleo com atribuições religiosas de caráter funerário, próprio aos indivíduos que tinham por função o culto dos mortos.

Se por um lado, o título “Servidores na Sede da Verdade”, conferiu a esses obreiros um caráter de seres especiais; de outro, instigou a curiosidade sobre os aspectos humanos e rotineiros de suas vidas. Os antigos egípcios criaram apenas seis palavras para exprimir os principais laços de parentesco: pai, mãe, irmão, irmã, filho e filha; para os demais usavam expressões compostas, como por exemplo, o primo é “o filho da irmã de seu pai”. Tanto um amigo ,como um irmão de sangue, de uma pessoa ou um adotado, podia ser referido como “irmão”. A adoção legalizada era prática corriqueira. Casos particularmente interessantes são as adoções , pelos escribas das tumbas, dos discípulos prediletos, os quais passavam a referir, nos documentos seus dois pais.
É natural uma confusão na identificação dos parentescos, resultante do costume de referir os próprios filhos da mesma forma que os adotados e os filhos de apenas um dos cônjuges, bem como o de denominar igualmente os irmãos de sangue e os cunhados. Ocasionalmente, ainda, aparecem termos que designam os filhos dos filhos: os netos; mas tais relações entre as crianças, os pais e os avós raramente ficam bem evidenciadas. Outro grave problema na identificação dos laços familiares é que, tal como os egípcios modernos, os antigos costumavam perpetuar, através dos filhos, os nomes dos próprios pais e avôs.
Ao longo de 400 anos, em uma comunidade pequena como Deir el Medina, ocorre uma confusão de homofonia, principalmente pelo grande número de casamentos entre primos. Isso possibilita que o nome comum em uma família se torne comum em várias outras. Especialmente problemáticos, em Deir el Medina, eram os nomes Houy, Hay, Menna, Pashed, Amennakht, Amonhotep, Hathor, Isis, Iy e Hel.
Nesses aspectos privados, os habitantes de Deir el Medina ouviam os vizinhos e viam as cenas de rua, diárias, dos telhados de suas casas. Eles se comunicavam, por cartas, com amigos e pessoas de fora da vila, e pediam coisas que faltavam, principalmente de cunho material. Nas suas habitações, eles amavam, criavam os filhos e desentendiam-se entre os próprios familiares.
As informações que deixaram essas famílias de artesãos remetem-nos a um egípcio antigo bem diferente daquele que a historiografia tradicional e a iconografia nos falavam. Eles revelam gente como a gente, cúmplices da natureza e dos deuses e, nesse sentido, mais diplomatas do que nós.
Amei 👏👏👏